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Hipercarros


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#1 Gudi

Gudi
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Posted 10 August 2006 - 14:28

Tirei da minha estante um livro que não abria a muito tempo: As Conexões Ocultas, de Fritjof Capra. Numa folheada rápida eu encontrei a seção que falava sobre o futuro ideal dos projetos automobilísticos, seguindo linhas de produção e desenvolvimento sustentável em harmonia com toda uma cadeia de filosofia sistêmica emergente.

Joguei as cinco páginas no meu scanner e fiz uma edição rápida. Se houver algum erro grotesco de gramática, é culpa do tradutor do livro ou do software de reconhecimento de caracteres. :P

Lembrando que o livro foi publicado em 2002, de qualquer forma eu achei interessante colocar aqui e saber o que os outros têm a dizer sobre o assunto. :)


Os Hipercarros

A recriação dos automóveis é provavelmente o ramo de projeto ecológico que terá as mais amplas conseqüências para a indústria como um todo. Como quase sempre acontece no projeto ecológico, essa recriação começou com uma análise da ineficiência dos automóveis atuais, prosseguiu através de uma longa busca de soluções sistêmicas de base ecológica e culminou em anteprojetos tão radicais que vão mudar por completo não só a indústria automobilística, mas também, possivelmente, as indústrias do petróleo, do aço e da geração de energia elétrica.

À semelhança de tantos outros produtos do desenho industrial contemporâneo, o automóvel atual é absurdamente ineficiente.(87) Só 20 por cento da energia do combustível é usada para fazer girar as rodas, ao passo que 80 por cento se perde no calor e nos gases produzidos pelo motor. Além disso, 95 por cento da energia utilizada serve para mover o carro, e só 5 por cento move o motorista. A eficiência global, ou seja; a proporção de energia do combustível usada para mover o motorista, é de 5 por cento de 20 por cento - não mais do que um por cento!

No começo da década de 1990, o físico e especialista em energia Amory Lovins, junto com seus colegas do Instituto Rocky Mountain, tomaram a peito o desafio de redesenhar completamente o ineficientíssimo automóvel de hoje em dia, sintetizando idéias novas e alternativas num projeto conceitual que chamaram de "hipercarro" (hypercar). Esse projeto associa três elementos fundamentais. Os hipercarros são ultraleves e pesam de duas a três vezes menos do que os carros dê aço; têm uma alta eficiência aerodinâmica e vencem a resistência do ar com,muito mais facilidade que os carros convencionais; e são impulsionados por um motor "elétrico híbrido", que combina um motor elétrico com um motor a combustível líqüido que proporciona a energia para o elétrico.

Quando esses três elementos se integram num único projeto, resultam numa economia de pelo menos 70 a 80 por cento do combustível usado pelo automóvel convencional, e ao mesmo tempo deixam o veículo mais seguro e mais confortável. Além disso, o conceito do hipercarro tem vários efeitos surpreendentes que prometem revolucionar não só a indústria automobilística, mas o desenho industrial-como um todo.(88)

O ponto de partida do conceito do hipercarro é o de reduzir a energia necessária para mover o veículo. Como só 20 por cento da energia do combustível é usada para girar as rodas num automóvel convencional, qualquer economia de energia nas rodas resulta numa economia de combustível cinco vezes maior. Num hipercarro, economiza-se energia nas rodas fazendo-se o carro mais leve e mais aerodinâmico. A carroceria de metal convencional é substituída por uma feita de fortes fibras de carbono inseridas num plástico especial. As combinações de várias fibras permitem uma grande flexibilidade de projeto, e a carroceria ultraleve resultante diminui pela metade o peso do carro. Além disso, detalhes simples de aerodinâmica podem cortar a resistência do ar ,em 40 a 60 por cento sem restringi a flexibilidade estilística. Juntas, essas inovações podem reduzir em 50 por cento ou mais a energia necessária para mover o carro e seus passageiros.

A idéia do carro ultraleve gera toda uma série de efeitos secundários, muitos dos quais resultam numa diminuição de peso ainda maior. Um carro mais leve pode funcionar com uma suspensão mais leve, um motor menor, freios menores e menos combustível no tanque. Além disso, há certos componentes que, mais do que se tornarem menores, são completamente eliminados. Um carro ultraleve não precisa de direção e freios hidráulicos. A propulsão elétrica híbrida elimina outros componentes ainda - embreagem, transmissão, eixo-cardã, etc., o que reduz ainda mais o peso do carro.

Os novos.compostos de fibra não são somente ultraleves, mas também extraordinariamente fortes. São capazes de absorver cinco vezes mais energia por unidade de peso do que o aço. Evidentemente, trata-se de um importante fator de segurança. Os hipercarros são projetados para dissipar eficientemente a energia das colisões com a ajuda de tecnologias copiadas dos carros de corrida, que também são ultraleves e extremamente seguros. Além de proteger seus próprios ocupantes, os veículos ultraleves são menos perigosos para os passageiros dos automóveis com os quais colidem.

As diferenças entre as propriedades físicas do aço e dos compostos de fibra afetam profundamente não só o projeto e o funcionamento dos hipercarros, mas também sua fabricação, distribuição e manutenção. Embora as fibras de carbono sejam mais caras.do que o aço, o processo de produção das carrocerias compostas é muito mais econômico. O aço tem de ser prensado, soldado e acabado; as carrocerias compostas saem do molde numa peça única e não precisam de acabamento. Com isso, reduzem-se em 90 por cento os custos de maquinário. Também a montagem do automóvel é muito mais simples, uma vez que as peças são leves e fáceis de manusear, e podem ser levantadas sem guindastes. A pintura, que é a etapa mais cara e mais poluente da fabricação de automóveis, pode ser eliminada por completo, uma vez que a cor pode ser introduzida no processo de moldagem.

As múltiplas vantagens dos compostos de fibra são compatíveis com equipes de projeto pequenas, um retorno rápido do investimento e fábricas dirigidas para a produção local - todas características do projeto ecológico em geral. A manutenção dos hipercarros também é muitíssimo mais simples que a dos automóveis de aço, uma vez que muitas das peças responsáveis por problemas mecânicos não existem nesses novos veículos. As carrocerias não enferrujam, não sofrem de fadiga e são quase impossíveis de amassar; podem durar décadas até ter de ser recicladas.

Outra inovação fundamental é a propulsão elétrica híbrida. Como os outros carros elétricos, os hipercarros são dotados de um motor elétrico eficiente que faz girar as rodas e têm a capacidade de transformar a energia de frenagem em mais eletricidade, economizando energia. Ao contrário dos carros elétricos, porém, os hipercarros não têm baterias. As baterias continuam sendo pesadas e sua energia dura pouco; a eletricidade dos hipercarros é gerada por um pequeno motor a explosão, turbina ou célula de combustível. Esses motores podem ser pequenos e, como não são diretamente ligados às rodas, funcionam quase o tempo todo
em condições ideais, reduzindo ainda mais o consumo de combustível.

Os carros híbridos podem ser movidos a gasolina ou a diversos outros combustíveis mais limpos, como os feitos de biomassa. O combustível mais limpo, mais eficiente e de qualidade superior que um hipercarro pode ter é o hidrogênio numa célula de combustível. Um tal automóvel não só funciona em silêncio e sem poluição como também pode se tornar uma pequena usina de produção de eletricidade sobre rodas. Talvez seja esse o aspecto mais surpreendente e de mais amplas conseqüências do conceito do hipercarro. Quando o carro está estacionado na casa ou no local de trabalho do seu proprietário -ou seja, a maior parte do tempo - a energia produzida por sua célula de combustível pode ser enviada para a rede elétrica e o proprietário pode receber,
em troca, um crédito automático na conta de luz. Pelos cálculos de Amory Lovins, a produção de eletricidade numa tal escala pode logo tirar do mercado todas as usinas termo elétricas e nucleares; e, se toda a frota de automóveis norte-americana fosse constituída de hipercarros, ela teria uma capacidade de geração de energia de cinco a dez vezes superior à de todas as usinas elétricas norte-americanas atuais, economizaria anualmente todo o petróleo vendido pela OPEP e reduziria em cerca de dois terços a emissão de CO2 nos Estados Unidos.(89)

Quando Lovins criou o conceito do hipercarro, no cameço da década de 1990, reuniu uma equipe de técnicos em seu Rocky Mountain Instiutute para desenvolver a idéia. Na decorrer dos anos subseqüentes, a equipe publicou muitos artigos profissionais e, em 1996, um volumoso relatório intitulado Hypercars: Materials, Manufacturing, and Policy Implications.(90) Para aumentar ao.máximo a campetição entre as indústrias automobilísticas, a equipe do hipercarro pôs todas as suas idéias no domínio público e fez questão de enviá-las com estardalhaço para mais de vinte grandes montadoras de automóveis.

Essa estratégia pouco convencional funcionou como se previa, desencadeando uma feroz concorrência em diversos países. A Toyota e a Honda foram as primeiras montadoras a oferecer automóveis híbridos, que funcionam à base de gasolina e eletricidade – o Toyota Prius, para cinco passageiros, e o Honda Insight, para dois. Carros híbridos semelhantes, capazes de rodar entre 30 e 34 km com um litro de combustível, foram testadas pela General Motors, pela Ford e pela Daimler Chrysler, e estão agora começando a ser produzidos. Nesse meio-tempo, a Volkswagen já começou a vender, na Europa,um modelo que faz 33 km por litro, e planeja lançar no mercado norte-americano, em 2003, um modelo que chega a fazer 99 km por litro! Além disso, oito grandes montadoras já estão preparadas para começar a fabricar veículos movidos a células de combustível entre 2003 e 2005.(91)

Para aumentar ainda mais a concorrência, o Instituto Rocky Mountain criou uma empresa independente, a Hypercar Inc, para projetar o primeiro hipercarro dotado de todas as inovações previstas, supereficiente e perfeitamente fabricável.(92) O projeto desse carro-conceito foi concluído com sucesso em novembro de 2000 e apareceu num artigo de capa do The Wall Street Joumal dois meses depois.(93) Será um utilitário esportivo de tamanho média, capaz de fazer 42 km com um litro de combustível, projetado para rodar em silêncio, sem emitir nenhum resíduo nocivo, com autonomia de 530 km, movido pela eletricidade gerada par uma célula de combustível a partir de 3,4 kg de hidrogênio comprimido num tanque ultra-seguro.(94) O projeto atende aos mais rigorosos padrões da indústria e é compatível com uma garantia de 320.000 km. Lovins e seus colegas esperam ter produzido numerosos protótipos até a final de 2002. Se conseguirem, terão provado que o hipercarro pode tornar-se uma realidade comercial.

Mesmo hoje em dia, a revolução do hipercarro já está bastante adiantada. Quando os modelos que estão começando a ser produzidas passarem a ser comercializadas pelas principais montadoras, as pessoas as comprarão não só porque vão querer economizar energia e proteger o meio ambiente, mas simplesmente porque esses novos modelos ultraleves, ultraseguros, não-poluentes, silenciosos e supereficientes serão melhores que os carros convencionais. As pessoas vão passar a compra-los da mesma maneira que trocaram as máquinas de escrever pelo computador e os LPs pelos CDs. Depois de algum tempo, os únicos carros de aço impulsionados por motores de combustão interna ainda a rodar serão um pequeno número de Jaguares, Porsches, Alfa Romeos e outros automóveis esportivos clássicos.

Uma vez que o setor automobilístico é o maior setor industrial do mundo, seguido pelo setor petrolífero, a revolução do hipercarro terá um efeito profundo sobre a produção industrial como um todo. Os hipercarros são o meio ideal para que seja aplicada em grande escala a economia de serviço e fluxo proposta pelos projetistas ecológicos. Provavelmente, enquanto a infra-estrutura do hidrogênio estiver sendo desenvolvida, esses veículos não serão vendidos, mas arrendados, e seus materiais recicláveis seguirão num ciclo fechado e terão sua toxicidade cuidadosamente controlada a progressivamente reduzida. A passagem do uso do aço para o da fibra de carbono, e da gasolina para o hidrogênio, fará com que os setores siderúrgico, petrolífero e outros existentes hoje em dia sejam substituídos por processos de produção radicalmente diferentes, sustentáveis e ambientalmente benignos.

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87. Ver Hawken, Lovins e Lovins (1999), p. 24
88. Ibid, pp.22 et seq
89.Ibid, pp. 35-37. A Independência do petróleo da OPEC possibilitaria aos Estados Unidos mudar radicalmente sua política exterior no Oriente Médio que, no momento é norteada pela necessidade constatada do petróleo como um "recurso estratégico". Uma mudança nessa política mudaria significativamente as condições subjacentes à recente onda de terrorismo internacional. Por isso, uma política energética baseada em fontes renováveis de energia e conservação não só é um imperativo para viabilizar a preservação ecológica, mas também vital para a segurança nacional dos Estados Unidos; veja Capra (2001).
90. Lovins et al. (1996).
91. Ver Lovins e Lovins (2001).
92. Ver www.hypercar.com.
93. The Wall Street Journal, 9 de janeiro de 2001.
94. Ver Denner e Evans (2001).
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